Qual a idade para considerar uma pessoa anciã ou idosa ? Algumas legislações no Brasil e em muitos países classificam como idosas as pessoas a partir dos 60 anos de idade. Justamente estas que pelo aumento da expectativa de vida da população viverão ainda por décadas.

Pelo dicionário, ancião é aquele que tem idade avançada e, consequentemente, merecedor de respeito. Como se os mais jovens, as crianças e os de meia-idade como eu, não fossem merecedores de respeito. Também são anciãos os velhos, os antigos. A palavra vem do latim, “ancianus”, que significa ante ou antes de. Já o termo idoso tem quase o mesmo significado: que ou quem tem idade avançada, velho. Os termos, porém, acabaram ganhando tons pejorativos e discriminatórios, como se um ancião fosse um incapaz. Um sujeito que já deixou de existir e que está apenas esperando a morte chegar.

Percebo há bastante tempo que o Papa Francisco tem absoluta razão quando fala que vivemos numa sociedade de pessoas descartáveis. Estamos num mundo em que vale mais quem produz alguma coisa que tenha utilidade prática ou contribui para a formação da riqueza. Vale mais aquele que tem força para levantar e ir ao trabalho. Mas muitos não conseguem mais. Vale o que não está doente.E tantos estão. Vale o que tem dinheiro. E uma infinidade não tem. Todos os outros são os descartáveis sem direito a reciclagem. Onde se encaixam os anciãos nesta mentalidade prevalente em nossa sociedade ? Eles são os outros, os débeis, os “por fora”, os doentes. Se encaixam onde a maioria, lamentavelmente, os têm colocado: no abismo, entre o existir e o desaparecer. Quando, na verdade, são pessoas com os mesmos sentimentos, desejos e vontade de viver e de ser úteis.

A tênue linha que separa respeito e descarte dos mais velhos

Moro na Itália, um país que sempre teve uma preocupação acima da média pelos mais velhos. É o segundo país do mundo com maior longevidade, atrás apenas do Japão. Enquanto a Itália possui 22% da população com mais de 65 anos, o Japão tem 26%. É comum vermos por aqui pessoas com 80 anos de idade andando de bicicleta para fazer compras no supermercado e com acessibilidade em praticamente todos os lugares, inclusive no transporte coletivo. Vejo senhoras de 90 anos jogando conversa fora nas mesas dos cafés. Ou avôs dirigindo seus carros para buscar os netos na escola. Na academia que frequento, velhos vão com seus modernos fones para ouvir músicas ou notícias enquanto fazem exercícios ao lado dos mais jovens. E gostam de tirar suas selfies para povoar o insta ou o face. Isto, claro, até explodir a pandemia do novo coronavírus.

Infelizmente, conheci aqui paralelamente uma outra realidade muito séria que são as casas de acolhimento de idosos. Em dois destes estabelecimentos, em Milão, morreram 300 pessoas de covid-19 em apenas dois meses. Estavam lá como se estivessem em depósitos para serem descartados. As causas e os responsáveis estão sendo investigados. Porém, sem que houvesse uma sucessão de falhas e negligências, isto não teria acontecido, apesar da letalidade do coronavírus. E há também muitos idosos pobres, em menor proporção no comparativo com o Brasil, mas são aqueles que estão na fila para receber uma cesta básica ou um prato de comida.

No Brasil, o mercado de trabalho já considera no limbo, entre o existir e o desaparecer, a pessoa que tem mais de 50 anos. Os de 60 então, já são quase sucatas para o setor produtivo. Descartáveis inclusive para muitas empresas que têm em sua nobre missão o tão difundido e pouco praticado respeito às pessoas. Uma roda de hipocrisia que se retroalimenta a cada nova geração. Para toda regra, evidentemente, há exceções.

Rebeldia na tentativa de empurrar a morte para mais adiante
Foto: Evandro Fontana

Na crise do coronavírus sangram os mais frágeis. São eles os maiores portadores de comorbidades. E tornou-se comum ouvirmos expressões do tipo: morreu, mas já tinha mais de 80 anos. Está mal, mas já viveu o que precisava viver. Faleceu, mas tinha diabetes e era hipertenso. São, antes de tudo, pessoas na mais abrangente definição da palavra. Esta gente de vistas cansadas, pele enrugada e músculos flácidos. Pessoas amedrontadas que hoje olham pelas frestas das janelas. Muitas têm o privilégio de uma família que as cuide. Mas são milhões que simplesmente estão jogadas à própria sorte pelo mundo, invisíveis aos olhos da maioria. O mercado de trabalho não as quer mais. A aposentadoria mal cobre a comida e os remédios. E são consideradas um grande peso para os institutos de seguridade social e para as políticas de austeridade econômica. Os joelhos e a coluna teimam em ranger como portas emperradas e a não suportar mais o peso do próprio corpo.

Por isso, é admirável a rebeldia dos anciãos italianos que no ambiente pré-pandemia empurravam a morte todo dia um pouco mais à frente e não davam muita bola para os ultrapassados preconceitos juvenis. Devemos lembrar que quase tudo o que existe se deve a eles, os velhos. Inclusive a nossa própria vida. Infelizmente, tem sido os idosos as maiores vítimas do coronavírus. Um público frágil, pego de surpresa, sem muitos cartuchos para se defender. Foram afastados até do convívio dos filhos e dos netos como forma de preservá-los. Será que terão outra oportunidade para abraçá-los ?

Em resumo, penso que todos nós devemos ter um novo olhar para estas pessoas. Sem preconceitos. Podemos ajudá-las na fragilidade. Sim, devemos. Mas sociedade, famílias e governos não podem desprezá-las ou descartá-las como cidadãs de série B. Mudar a mentalidade e perceber que é legítimo alguém com mais de 70 anos desenvolver uma atividade social ou profissional que o estimule a manter-se útil. É justo também que possam frequentar o espaço que quiserem. Devemos observar com serenidade que eles são hoje o que seremos no futuro. E como queremos ser no futuro ? Eu gostaria de ser um ancião bem rebelde, o tempo todo. Para não ver a vida passar à margem ou como um mero figurante, mas como um protagonista até o fim.

Texto e Foto de capa: Lago de Bries|Itália – Evandro Fontana, jornalista

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