Vivemos tempos sombrios para o jornalismo mundial. Parte disso culpa dos próprios jornalistas devido a uma supervalorização da importância da profissão para o chamado estado democrático de direito. Durante décadas, estivemos alicerçados na premissa de que éramos imprescindíveis às democracias e, portanto, imortais. Mas o que vemos hoje na sociedade é algo absolutamente diferente. Grande parte de nosso público já não nos considera tão importantes ao ponto de sermos agentes garantidores do estado democrático de direito, como uma espécie de quarto poder.

Fake News

A ascensão das fake news estabeleceu novos parâmetros de comunicação através dos quais as pessoas não mais se identificam com a verdade e com a necessidade do contraditório, mas apenas com a sua própria verdade individual. Se antes, a formação da opinião pública era quase tarefa exclusiva de jornalistas, hoje o que temos é uma multidão de influenciadores digitais, para o bem e para o mal.

Temos agora também uma difusão de ídolos que estabelecem seus vínculos diretos com seu público. Tanto com pessoas que os ama, quanto com gente que os odeia. Assim, a imprensa profissional, tal qual a conhecíamos, passou a buscar uma nova fórmula para restabelecer o vínculo com o público. Mas ainda não a encontrou. Tentativas de reconexão aparecem a todo instante, sempre com o uso das redes sociais para buscar um engajamento que talvez nunca mais aconteça.

E por que este engajamento pode nunca mais ocorrer ? Porque as pessoas cansaram de intermediários e da ordem estabelecida. Preferem o contato direto com as fontes ao invés de receberem algo produzido, pasteurizado e, muitas vezes, filtrado. Tornou-se absolutamente comum figuras públicas se recusarem ou evitarem falar com a mídia. Preferem conversar diretamente com seus milhares e, em alguns casos, milhões de seguidores, ao invés de receberem um repórter para perguntar coisas que não gostariam de responder. E, quando criticadas, apoiam-se na massa de seguidores para refratar e minimizar o tal poder da mídia, chamando veículos de comunicação de produtores de fake news.

Notícias não existem para referendar o que pensamos

No Brasil, a eleição de Jair Bolsonaro para a Presidência da República é mais uma das provas desta nova realidade. Com menos de um minuto de espaço no horário eleitoral gratuito, mas com um séquito implacável de amantes de suas ideias via whatsapp, Bolsonaro desdenhou do jornalismo profissional. Fugiu das perguntas, respondeu o que quis, tripudiou em cima de veículos de imprensa e profissionais rotulando-os de esquerdistas e dependentes do dinheiro público para sobreviverem. E foi aplaudidíssimo por este posicionamento por amplo espectro da sociedade. E continua com a mesma postura após eleito presidente, inclusive deixando clara sua posição de perseguição a alguns jornalistas críticos e veículos.

Evidente que os meios de comunicação e os jornalistas não vivem apenas da pauta política. Mas é incontestável que boa parcela da sociedade está cansada de intermediários e prefere o seu próprio noticiário, independente de ser verdadeiro ou falso. Preferencialmente produzido e apresentado por alguém que exponha exatamente as suas ideias de mundo. Importante para estas pessoas é que a notícia corrobore o seu próprio pensamento. A verdade deixou de ser um valor absoluto, mas a minha verdade continua sendo.

A educação anti fake news

Diante deste cenário, que papel cabe aos jornalistas comprometidos com a busca da verdade dos fatos ? Podemos estar diante de um modismo que logo se dispersará e tudo voltará a ser como antes ? Eu não acredito nisso. Penso que será cada vez maior a disseminação de ídolos e influencers, de pessoas e empresas que conversam diretamente com seus públicos e que multiplicam sua audiência, seja pelo engajamento, seja pelo uso abundante da escatologia e da mentira com cara de verdade. Acredito que o jornalismo dependerá de uma mudança de postura. Primeiro, propiciando que os cortes, as edições e os filtros sejam cada vez menores. Uma cobertura mais real dos fatos e menos pasteurizada. Segundo, estabelecendo um engajamento com as pessoas através de maior transparência de suas linhas editoriais. Dizer o que é e o que pensa claramente, sem rodeios. E terceiro, agrego um ponto fundamental: a educação. Será imprescindível estabelecer disciplinas nas escolas e nas universidades que agreguem a comunicação com base em valores humanos e no respeito à realidade dos fatos. Um modelo anti fake news, que coloque o jornalismo no centro de uma discussão para estabelecer um novo modelo de opinião pública, não vulnerável, crítica e sedenta pela verdade. Pois somente a verdade nos libertará.

Evandro Fontana – jornalista que mora em Milão, Itália