Cortes no setor cultural e altos índices de violência marcam os últimos anos no Brasil.

O Brasil é, assim como qualquer outro país do globo, conhecido por seus estereótipos. No senso comum estão o Carnaval, a riqueza cultural, o povo feliz e as cidades perigosas. Porém, são os dados que escancaram as reais proporções daquilo que costumamos acreditar e reproduzir enquanto estereótipos de nação. Cortes no setor cultural e altos índices de violência marcam os últimos anos no Brasil e nos fazem problematizar o senso comum.

Nas estatísticas, temos a festa popular que movimentou cerca de R$ 8 bilhões em 2020, segundo estimativa da  Confederação Nacional do Comércio (CNC). Porém, conforme a pesquisa “Cultura nas Capitais” (2018), 32% da população depende de acesso gratuito para ir a eventos culturais. Ocupamos o 32° posto no ranking 2019 de felicidade da Organização das Nações Unidas (ONU), e, ao mesmo tempo, segundo relatório também divulgado pela ONU em 2019, somos o segundo país mais violento da América do Sul, contabilizando 30,5 homicídios a cada 100 mil pessoas. 

A violência sobe e a cultura desce

Nos últimos anos, proporcionalmente ao aumento da violência e contrariando parte dos estereótipos, o país assistiu ao declínio dos incentivos governamentais no setor cultural. No início do governo Bolsonaro, a Lei Rouanet, principal mecanismo de incentivo à cultura no país, sofreu grandes alterações. Com algumas exceções, o valor máximo por projeto financiado caiu de R$ 60 milhões para R$ 1 milhão. Além disso, também foi definido um teto de R$ 10 milhões para empresas com até 16 projetos ativos. 

No mesmo mês, a Petrobras decidiu não renovar o patrocínio de 13 grandes projetos. Entre eles, estão o Festival de Teatro de Curitiba, a Mostra de São Paulo, o Festival do Rio e o Anima Mundi, o segundo maior Festival de Animações do mundo. As ações não surpreendem. Em fevereiro de 2019, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) disse em seu Twitter que os patrocínios estavam sob revisão. “Para maior transparência e melhor empregabilidade do dinheiro público, informamos que todos os patrocínios da Petrobras estão sob revisão, objetivando enfoque principal dos recursos para a educação infantil e manutenção do empregado à Orquestra Petrobras”, afirmou.

A cultura também sofre em âmbitos regionais. Caxias do Sul, na Serra Gaúcha, viu o Financiamento da Arte e Cultura Caxiense (Financiarte) não aprovar projetos em 2019. Em 2015 e 2016 o Financiamento chegou a disponibilizar R$ 2 milhões para as iniciativas culturais. Porém, em 2017, a então administração de Daniel Guerra (PRB) cortou mais de 60% da verba disponível e, em 2019, a cidade de 500 mil habitantes deixou de ganhar novos projetos. Assim como na fala do presidente, o Secretário de Cultura de Caxias do Sul da época, Joelmir da Silva Neto, em entrevista ao Jornal Pioneiro, também afirmou que o recurso teria sido repassado a “áreas prioritárias”, como a educação. 

Arte como saúde

Os discursos, em âmbito nacional e regional, se repetem. A cultura dificilmente é colocada em pé de igualdade com as áreas da saúde, segurança e educação. Porém, segundo relatório lançado em novembro de 2019 pelo Escritório Regional para a Europa da Organização Mundial da Saúde (OMS), o envolvimento com a arte pode ser benéfico para a saúde mental e física. A Dinamarca, por exemplo, tem um programa que prescreve “vitaminas de cultura” a pacientes com depressão ou algum outro tipo de condição psicológica. Ao mesmo tempo, é o segundo país no ranking de felicidade da ONU e o quinto mais pacífico, segundo o Índice Global da Paz (IGP).

“Em um lugar onde não há atividades culturais, a violência vira espetáculo.” A frase, de autoria desconhecida, traduz o momento no Brasil. Enquanto o incentivo cultural está à míngua, os índices de violência tornam-se mais assustadores a cada pesquisa. Em 2016, a frase foi pichada em uma rua de Governador Valadares- MG. Em 2019, o grafiteiro Andrigo Martins a colocou em um muro da Tem Gente Teatrando (foto), companhia teatral de Caxias do Sul- RS. Como um grito rebelde e exigente, o inscrito alerta para a importância das atividades culturais na manutenção do bem-estar social e na formação de indivíduos. 

O exemplo de outros países pode ser a chave para a transformação no Brasil. Enquanto a cultura não for vista como prioridade, estaremos lidando com uma sociedade à mercê das estatísticas. O escritor alemão Johann Goethe (1749- 1832), séculos antes de nossos dilemas, alertou: “Não existe meio mais seguro para fugir do mundo do que a arte, e não há forma mais segura de se unir a ele do que a arte.”

Sara Fontana- Jornalista