O dia 21 de fevereiro de 2020 ficará marcado na história dos italianos. Nesta data, um paciente de 38 anos da pequena cidade de Codogno, na região da Lombardia, era diagnosticado com o novo coronavírus. As primeiras investigações apontaram como fator de contágio um jantar com uma pessoa que havia estado na China e, provavelmente, de lá, teria levado o vírus até a Itália. Como a Europa já havia experimentado em outros momentos situações semelhantes, muita gente pensou que seria novamente mais alarde do que problema sério.

Com o passar dos dias, porém, os casos foram se multiplicando. Imediatamente, o Departamento de Proteção Civil e as autoridades sanitárias impuseram uma quarentena para 50 mil pessoas, em 11 cidades lombardas, com bloqueios policiais nas entradas e saídas. O chamado paciente número um a esta altura já estava na UTI, entre a vida e a morte. Na primeira semana de crise, escolas, museus, teatros e aglomerações públicas foram suspensos na Lombardia e no Vêneto. Em seguida, com números expressivos de contagiados, 16 milhões de pessoas foram colocadas em quarentena no norte do país.

As medidas tomadas não foram suficientes. O número de contagiados já colocava o sistema sanitário do país, considerado um dos melhores do mundo, em risco. Alas de hospitais foram reativadas, novos espaços foram criados para a triagem de doentes e uma mensagem mais clara passou a ser dita pelas autoridades: fiquem em casa. Muitas pessoas que tentavam levar a vida de maneira normal, passaram a considerar a gravidade da situação. Os casos já ultrapassavam 5 mil quando o governo do Premier Giuseppe Conte resolveu estender as medidas de quarentena para toda a Itália temendo um colapso do sistema de saúde ao sul, onde as estruturas são bem mais frágeis.

Assim, 60 milhões de italianos foram colocados em quarentena através de um rígido decreto que estabelece até pena de prisão para quem descumpri-lo. Uma medida sem precedentes na história. Ninguém pode sair de casa sem um documento em que a pessoa declara à polícia qual o motivo do deslocamento. E somente pode sair para ir ao supermercado – um por família – à farmácia, ao trabalho ou ao médico. Missas, jogos de futebol, casamentos, velórios, academias, escolas, universidades. Tudo parado. Bares e restaurantes não podem abrir. A Itália sempre abarrotada de turistas ficou vazia e silenciosa de uma hora para outra.

Além da preocupação com o coronavírus, as autoridades do país temem os graves efeitos na economia. Com um déficit público que supera os 130%, o país saiu há pouco tempo da recessão deflagrada pela crise global de 2008 e deve mergulhar novamente nela em 2020. Com a ajuda da Europa, a Itália vai liberar 25 bilhões de euros para ajudar famílias e empresas a sair desta difícil situação. Da noite para o dia, um dos países mais admirados do mundo, considerado uma potência cultural e industrialmente desenvolvido, viu tudo quase tudo escapar por entre os dedos. A segurança ao sair nas ruas, a longevidade, a gastronomia incomparável e o gosto pela dolce vita, foram transformados em angústia. Ninguém sabe exatamente qual o ponto de inflexão do vírus e a retomada de uma vida normal.

Poderá ser daqui a algumas semanas e a Itália e os italianos estarão ainda mais fortes, a exemplo do que aconteceu no pós-guerra ? Ou demorará meses, talvez anos, e as medidas de mitigação não serão suficientes para restabelecer a economia e a autoestima do bel paese ? Perguntas, por enquanto, sem respostas. A boa notícia é que o paciente número um de Codogno está melhor. A ruim é que outros 12 mil se somaram a ele em pouco tempo e crescendo. A urgência agora não é a economia, mas a saúde de quem vive na Itália.

Evandro Fontana
Jornalista que mora em Milão, Itália

Foto: Comune de Veneza