Imagine um país de 60 milhões de habitantes em que o objetivo número um não é aumentar a produção, melhorar o desempenho econômico ou proporcionar mais qualidade de vida à sua população. A meta a ser atingida é muito mais urgente: frear a contagem de vítimas do covid-19. Todo o resto fica em segundo plano. Aquelas ideias cotidianas de ir ao parque com a família, de receber os amigos em casa, de ir ao cinema, tudo foi proibido. Quem sabe passear no final de semana ? Não pode. Fazer compras no shopping ou ir a um restaurante, também não.

Assim está a Itália, o admirado país turístico banhado pelo Mediterrâneo e pelo Adriático, que desde 10 de março estendeu para toda a nação o regime de quarentena por conta do coronavírus. Trabalhar no modelo home office. Podem sair para o trabalho apenas os italianos que atuam em serviços essenciais, como supermercados, farmácias ou operam indústrias estratégicas.
Aula do filho em casa, somente à distância. Milão, na Lombardia, onde moro no norte do país é a região mais castigada pela doença. Vai completar em breve um mês com as escolas e universidades fechadas. A sensação é de que estamos numa guerra sem bombas. Apenas no silêncio e sem sirenes de alerta. Sabe aquelas singelas necessidades humanas de sair para tomar um sol ou um vinho, de caminhar sem destino certo ou até de almoçar na casa de alguém ? Ficou tudo para mais adiante. Feiras, jogos, reuniões, festas. Nada é mais imediato aqui na Itália do que fugir do vírus. Ir à missa ? Só via transmissões de streaming.

Ele foi entrando sem que ninguém pedisse passaporte e se instalou pelo continente europeu a galope. Não veio através de barcos improvisados pelo Mediterrâneo. Provavelmente chegou de avião. Ainda não sabemos se de primeira classe ou de econômica. Mas veio. E fez tanto estrago que até os mais pessimistas não previram que chegaria a este ponto. Nem os serviços secretos, nem os aplicativos de celular advertiram que havia tanto perigo iminente. Prestes a completar 30 dias desde que o primeiro caso veio à tona no país, o coronavírus já matou mais de duas mil pessoas e deixou quase de joelhos o sistema de saúde, que resiste bravamente. Quase 30 mil contraíram o vírus até agora. Falha nos protocolos ? Pode ser. Neste momento até mesmo a oposição trata de deixar para depois as cobranças enfáticas ao governo. A Itália é o segundo país com o maior número de vítimas depois da China. Para você ter uma ideia, a seção de obituário do principal jornal de Bérgamo, uma cidade de 120 mil habitantes, que tinha em média uma página diária dedicada ao obituário, agora tem 10. Testes rápidos e transparência na divulgação do problema, poderá dizer o governo, para justificar um crescimento tão exponencial da doença. Certo mesmo é que nada é mais imperioso do que superar esta fase, mesmo que para isso situação e oposição tenham que abaixar as armas.

É meio triste saber que para repor o estoque de comida você tem duas alternativas: ou sair de casa com uma autocertificação para apresentar à polícia se for parado, desviando de quem encontra pelo caminho para não correr o risco de ser contagiado, ou esperar mais de 20 dias por uma tele-entrega. Ir e voltar da farmácia, só com munição pesada. De preferência com máscara e álcool gel. Mas há os que sofrem ainda mais. Aqueles que dependem do seu pequeno comércio ou bar para sobreviver e tudo está fechado. Há também os que prestam serviços, como cabeleireiros, mecânicos ou manicures e não têm nenhum cliente para atender. Numa hora dessas, percebemos o quanto nós somos frágeis e dependentes uns dos outros. E como os países e mesmo a OMS – Organização Mundial da Saúde, estão despreparados para enfrentar uma crise sanitária desta magnitude.

Por outro lado, sobram exemplos de altruísmo e abnegação. Médicos e enfermeiros dobram turnos para honrar a missão de salvar vidas. Muita gente voluntária à disposição para ajudar em tudo o que for possível. É uma das características mais importantes que os italianos têm. E ainda pipocam doações, muitas vezes milionárias de grandes empresários ou de alguns poucos euros dos trabalhadores, para que novas vagas de UTI sejam abertas. Sem falar no senso comunitário que leva às janelas, além das bandeiras tricolores da Itália, a voz das canções mais populares e os aplausos emocionantes aos profissionais heróicos da saúde. Enquanto isso, o jeito é esperar que tudo passe e fique bem. Aqui, no Brasil e em todo o mundo. Que o vírus agora trate de sair de fininho, da mesma forma que chegou. E sem fazer alarde.

Evandro Fontana
Jornalista que mora em Milão, Itália